Resinas de troca iônica para adequação da qualidade de água


A aplicação de resina de troca iônica para remoção de cromo hexavalente é o tema principal deste artigo, mostrando dois casos em que a tecnologia foi aplicada. Os resultados até o momento atenderam plenamente às expectativas.


Augusto Cesar Marques Leme e Gilmar Jose Peixoto, engenheiros da Sabesp

Data: 28/07/2017

Edição: Hydro Junho 2017 - Ano - XI No 128

Compartilhe:

Fig. 1 – Leito de drenagem desenvolvido por Cordeiro [1] e protótipo utilizado nas pesquisa em escala reduzida

A turbidez e a cor aparente encontrador normalmente nos aquíferos subterrâneos levam a população em geral a acreditar tratar-se sempre de água de qualidade excelente. Mas os profissionais envolvidos em qualidade da água sabem que isso não é verdade. Os relatórios de qualidade de água da Cetesb – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo e os diversos trabalhos que abordam a qualidade dos aquíferos alertam que, numa região ou outra, esses aquíferos apresentam algum problema de qualidade.

O relatório de Qualidade das Águas Subterrâneas no Estado de São Paulo 2010-2012 [1] aborda nitrato, cromo e fluoreto no capítulo que traz a síntese sobre a qualidade das águas subterrâneas em São Paulo, entre as substâncias que apresentaram desconformidades nos monitoramentos com relação ao padrão de qualidade. Bário, vanádio, arsênio e zinco são outros elementos também citados no relatório.

A tabela 7.1.1 do relatório traz os parâmetros desconformes nos anos de 2009, 2010 e 2012 nas diversas unidades de gerenciamento de recursos hídricos – UGRHI – do Estado de São Paulo. Em 2009, foram encontrados resultados de cromo (ou crômio, grafia utilizada no relatório) acima do valor máximo permitido – VMP – nas UGRHIs 16-Tietê/Batalha, 18-São José dos Dourados e 21-Peixe. Em 2010, foi encontrado também na UGRHI 15-Turvo/Grande, fato que não se repetiu em 2012 aparecendo, porém, resultado acima do VMP na UGRHI 19-Baixo Tietê junto às demais.

Conforme o relatório, o cromo aparece no aquífero Bauru em concentrações acima do VMP em diversos poços de monitoramento. Vários desses poços são utilizados para abastecimento público após diluição com água que tenha menor concentração de cromo ou possuem implantado ou em estudo alguma forma de remoção do cromo.

O cromo aparece nesse aquífero por uma combinação da água de pH elevado com rochas contendo cromo em concentrações de até 6000 ppm, conforme Bertolo et. al [2]. Os minerais contendo Cr+3 (diopsídios) são dissolvidos e há uma reação redox que oxida o Cr+3 para Cr+6. Poços da mesma região, porém com pH mais baixo, podem não apresentar concentração elevada desse elemento, permitindo sua diluição.

A estratégia de diluição de contaminantes que apresentam concentrações acima do VMP é a melhor tecnologia de tratamento. Elimina qualquer tratamento adicional, não há necessidade de adição de produtos químicos nem operação especializada. A exigência primordial é que a diluição seja controlada e monitorada, antes da distribuição ao consumidor.

O problema surge quando não existe água com qualidade ou em quantidade que permita a diluição. Resta somente a opção de remoção do excesso do elemento. Ainda assim, não há necessidade de tratar toda a água a ser distribuída. Se pesquisas já foram feitas no mundo todo que permitiram estabelecer um valor máximo para as dezenas de parâmetros controlados na água de abastecimento, o correto do ponto de vista econômico e sanitarista é utilizar esses limites e reduzir a concentração até o valor-limite durante todo o tempo. Diversos elementos que a água potável contém fazem parte da nutrição humana. Beber água totalmente isenta de minerais, como água destilada, pode causar diversas enfermidades.

No caso do cromo total há uma ressalva. O limite da legislação brasileira é 0,05 mg/L, seguindo a recomendação da OMS – Organização Mundial da Saúde na publicação Guidelines for Drinking-water Quality [3], em que a OMS afirma ser o valor máximo de 0,05 mg/L para o cromo um “provisional value” devido às incertezas dos estudos toxicológicos existentes até hoje de que esse é o limite correto. Esse valor foi estabelecido em 1958 e perdura até agora como “provisional”. Nos EUA, a EPA – Environmental Protection Agency mantém o limite máximo em 0,1 mg/L de cromo total [4], mas tem feito congressos e pesquisas para avaliar a necessidade de alterar ou não esse limite. No estado norte-americano da Califórnia, o limite é de 0,05 mg/L [5] e pode-se considerar muito provável que a EPA reveja seu limite nos próximos anos. Os limites são para cromo total.

O cromo é abundante na crosta terrestre e apresenta-se de diversas formas, sendo as mais comuns o cromo trivalente – Cr+3 e o cromo hexavalente – Cr+6. Na forma trivalente faz parte da dieta humana, sendo necessário para o bom funcionamento do organismo. Porém, na forma hexavalente pode causar desde dermatites até danos no fígado, rim, sistema nervoso e sistema circulatório.

Objetivo

Ao se deparar com um elemento na água em concentração acima do desejado ou do permitido, é preciso avaliar as alternativas para solução do problema. Ao encontrar cromo total acima do VMP, verifica-se que as alternativas para a solução são:

O presente artigo traz algumas pesquisas desenvolvidas na regional da Sabesp de Presidente Prudente e comenta-se a aplicação prática de algumas dessas técnicas para adequação da concentração da água distribuída quando oriunda de mananciais subterrâneos com concentração de cromo total acima do valor máximo permitido.

A aplicação prática de resina de troca iônica para remoção de cromo hexavalente é o tema principal deste trabalho, mostrando dois casos em que a tecnologia foi aplicada e os resultados até o momento atenderam plenamente as expectativas.

Materiais

No sistema de abastecimento de água de Alfredo Marcondes dois poços usados para captação da água apresentavam concentração de cromo total em torno de 0,08 mg/L. Um deles faz parte da rede de monitoramento de águas subterrâneas da Cetesb. Pesquisas na cidade e seu entorno mostraram que poços de menor profundidade apresentam baixa concentração de cromo total.

Já no sistema de Araxans, distrito de Presidente Bernardes, o único poço em uso apresentou concentração elevada de cromo total, com valores em torno de 0,09 mg/L.

A primeira alternativa usada para redução da concentração de cromo total na água distribuída foi a diluição com água de poços de menor profundidade. Um primeiro poço perfurado em Alfredo Marcondes deu resultados dentro do esperado. Porém, sendo poço de menor profundidade, a quantidade de água produzida por esses poços não é grande, sendo suficiente para reduzir a concentração da mistura para valores em torno de 0,06 mg/L. Novo poço foi perfurado, mas a água estava em profundidade um pouco maior e com isso a concentração de cromo total não permite seu uso para diluição.

Também um poço perfurado em Araxans apresentou concentração de cromo total elevada, impedindo seu uso para diluição da água de abastecimento.

Restou o uso de alternativas para remoção do cromo total. A possibilidade de tratamento físico-químico da água, através de uma ETA convencional automatizada, uma solução já bem estudada na Sabesp e implantada em alguns sistemas, apresenta em nossa opinião o inconveniente da geração de lodo e a necessidade de aplicação do produto químico cloreto férrico, usado normalmente em tratamento de água de mananciais superficiais e que se mostrou o coagulante ideal para remoção de cromo em ensaios de jarros. Alguns sistemas da Sabesp implantaram esse tratamento com tal finalidade e nos subsidiaram com informações de que a qualidade do produto químico é fundamental para anuncio-tratamento-final.pdf o bom funcionamento do sistema. Reportaram terem encontrado problemas na água distribuída em razão da má qualidade do cloreto férrico.

A utilização de tratamento por osmose reversa é uma tecnologia que tem crescido no Brasil. Para o caso de cromo total, foi estudada sua aplicação, porém seu custo de implantação estimado em R$ 550 mil no menor valor encontrado para tratar 40 m3 /h e produzir 30 m3/h é alto, bem como a perda de água em torno de 25% do total alimentado. Além disso, há um custo operacional de troca periódica de elementos filtrantes. O uso da ultrafiltração e da eletrodiálise reversa não foram orçados considerando que no passado eram de custos elevados e sua aplicação ainda é pouco difundida.

O uso da resina de troca iônica começou com a proposta feita por um fornecedor de produto e instalação piloto para testes. Primeiramente foram feitos testes de laboratório com alguns tipos diferentes de resina para ver se haveria eficiência na remoção de cromo total.

Inicialmente foi testada a água do poço de Araxans, que possuía 0,09 mg/L de cromo total. A ideia de avaliar primeiramente num sistema pequeno, de apenas 2 m2/h, foi resolver a questão da qualidade da água distribuída sem correr risco de não dar certo e avaliar em escala real os resultados de laboratório, pois das resinas testadas, uma se mostrou capaz de remover o cromo total da água do poço. O investimento foi pequeno, porém eficaz. A concentração de cromo total após a resina foi < 0,0006 mg/L, valor obtido no equipamento ICP-OES 730 Varian do laboratório da Sabesp em Presidente Prudente.

Com o passar dos dias foi aumentado gradualmente o intervalo entre as regenerações com salmoura, necessária para recuperar a efetividade da resina, até chegar a uma única regeneração por semana. Medidas as perdas obtém-se que 1% do volume total de água que passa no sistema é usado na lavagem com salmoura e estabilização posterior da resina. O sistema de tratamento começou a operar em setembro de 2014.

O tratamento é bastante simples. A adutora de água bruta do poço é dividida e parte da água vai para o tratamento, enquanto o restante segue direto para o reservatório, recebendo desinfecção e fluoretação já adequada ao total produzido. A água que vai para tratamento passa por um leito com a resina e segue direto para o reservatório. Quando completa o tempo previsto para regeneração, o controlador existente no cabeçote usa a própria água do poço para arraste de salmoura e a lavagem com água limpa em contra corrente. Toda a água de salmoura e a de lavagem seguem para um reservatório de onde são levadas por caminhão para a estação de tratamento de efluentes mais próxima, uma vez que Araxans não tem rede de coleta e tratamento de esgoto.

Com esses resultados considerados como muito bons, optou-se por implantar um sistema capaz de tratar 30 m3/h em Alfredo Marcondes. Feita a especificação técnica, buscando maior competitividade, foi solicitado a várias empresas que trabalham com resinas de troca iônica que enviassem orçamentos preliminares. Duas empresas entraram em contato, solicitaram informações complementares, mas foram desencorajadas pelo fabricante de resinas a apresentar proposta, dizendo que não haveria garantia de eficácia do tratamento. O que foi aventado pelas empresas é que haveria a redução do cromo hexavalente para cromo trivalente com metabissulfito de sódio antes da resina. Essa opção foi descartada porque o objetivo era ter sistemas simples e sem aplicação de produtos químicos diferentes do cloreto de sódio.

Testes de laboratório com a água de Alfredo Marcondes e amostras de resina de troca iônica mostraram que a resina que seria eficaz seria a resina PFA-400, da Purolite. Outras possíveis resinas não foram testadas pela falta de interesse das empresas em fornecer amostras. O sistema de tratamento foi adquirido por R$ 184 100,00 para tratar 30 m3/h.

Resultados

Os resultados obtidos no sistema de Araxans são excelentes. A qualidade da água tem atendido a legislação (figura 1).

Isso incentivou a implantação do mesmo processo de tratamento em Alfredo Marcondes. Os resultados iniciais do sistema estão sendo bastante animadores. A água distribuída à população apresenta cromo total ≤ 0,05 mg/L, ou seja, dentro do limite da legislação. A tabela I apresenta resultados da água antes e após o tratamento com a resina de troca iônica.

Os resultados indicaram que o sistema de tratamento é efetivo. Os desvios apresentados no início de funcionamento do processo de tratamento foram solucionados com ajustes operacionais. O sistema continua sendo monitorado e tem apresentado resultados dentro do esperado.

Ressalta-se que o rejeito da recuperação da resina com salmoura é enviado diretamente para o tratamento da cidade. O tratamento em Alfredo Marcondes é constituído de dois leitos de resina, porém com o mesmo processo de tratamento já descrito para Araxans.

Conclusão

Os sistemas implantados são eficientes. A qualidade da água distribuída atende aos padrões de potabilidade da Portaria 2914/11. Não existe questionamento da Arsesp – Agência Reguladora de Energia e Saneamento do Estado de São Paulo, responsável por fiscalizar o cumprimento do contrato.

Em termos do valor investido em Alfredo Marcondes (R$ 184 100,00) em outubro/2015, quando o dólar estava a R$ 3,863, equivalia a US$ 47 657,00 ou US$ 1588,60 por metro cúbico de água tratada. Se fosse adotado sistema de osmose reversa, somente o custo de implantação, considerando o menor preço de R$ 550 000,00 e a cotação do dólar em fevereiro/2014 de R$ 2,345 seria um investimento inicial em torno de US$ 234 541,00, valor quase cinco vezes superior ao investido nas resinas.

Recomendações

Outra aplicação de resinas de troca iônica em saneamento já bastante difundida é a remoção de nitrato. Talvez porque muitos condomínios e indústrias têm encontrado dificuldades em outorgar poços com concentração de nitrato acima do VMP de 10 mg/L, houve o incentivo aos fabricantes de resina que desenvolveram uma resina “especialista”, assim chamada aquela específica para um elemento, no caso o nitrato.

Para o cromo total ou hexavalente em baixos níveis de concentração não tínhamos notícia de sua eficiência. Agora com os resultados dessas aplicações podem surgir resinas para essa e outras aplicações. É preciso que o setor de saneamento esteja disposto a procurar soluções e encontrar empresas dispostas a pesquisar novas alternativas de tratamento.

Também faz-se necessário acompanhar os sistemas implantados e verificar o tempo de eficiência. Normalmente os fabricantes de resina garantem cinco anos de vida útil, porém nas indústrias sabe-se que duram mais tempo. O controle de qualidade será capaz de mostrar com quanto tempo será preciso intervir no sistema.

Referências

  1. Cetesb – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, Qualidade das Águas Subterrâneas no Estado De São Paulo, 2010-2012; Equipe técnica Rosângela Pacini Modesto [et al], São Paulo, 2013.
  2. Bertolo, L. A.; Marcolan, L.N.O., Bourotte, C.L.M., Relações Água-Rocha e a Hidrogeoquímica do Cromo na Água Subterrânea de Poços de Monitoramento Multiníveisde Urânia, SP, Brasil, Revista do Instituto de Geociências USP. V. 9, n. 2, p. 47-62, junho 2009.
  3. WHO – World Health Organization, Guidelines for Drinking-water Quality, Fourth Edition, 2011, disponível em www.who.int/topics/ drinking_water/en
  4. EPA – Environmental Protection Agency, Chromium in drinking water, 2015, disponível em www.epa.gov/dwstandardsregulations/ chromium-drinking-water, em 02/04/2016.
  5. AWWA – American Water Works Association, Chromium in Drinking Water: A Technical Information Paper, 2013, disponível em www. awwa.org em 02/04/2016.