ETEs compactas facilitam o reúso de esgoto sanitário em edificações


Um exemplo muito claro de implantação de sistemas de reúso que não demandam investimentos muito altos ocorre em presídios: estações simples, mas efetivas, tornam mais fácil a produção de água de reúso apropriada para as demandas internas.


Emerson Marçal Júnior é diretor da EEA – Empresa de Engenharia Ambiental especializada em ETEs compactas

Data: 12/05/2017

Edição: Hydro Março 2017 - Ano XI - No 125

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O reúso de água está na pauta do dia, principalmente por conta das frequentes crises hídricas que afetam várias regiões do Brasil. Não à toa, o estado mais populoso do país e também aquele que tem talvez as mais sérias limitações de abastecimento, São Paulo, prepara legislação específica para disciplinar o reúso de esgotos sanitários com promessa de ser publicada ainda neste ano. Com preocupações semelhantes, outras localidades também começam a incluir o tema em suas políticas de gerenciamento hídrico.

A necessidade de regulamentar o reúso é evidente, porque estimula o desenvolvimento de projetos, sejam eles públicos ou privados, em grande e menor escalas, em sistemas abertos ou fechados, todos eles importantes para ampliar as fontes de suprimento de água das cidades. Mas uma preocupação que precisa estar presente na criação das possíveis novas leis é a de que elas não cometam o erro de tornar inviáveis economicamente alguns tipos de reúso.

Isso pode ocorrer caso os responsáveis pelas políticas públicas não levem em conta a grande heterogeneidade de uso dos efluentes e esgotos recuperados, uma vez que nem todos necessitam da mesma qualidade ambiental e sanitária. Estabelecer padrões de qualidade muito elevados para a água de reúso, sem se considerar a especificidade de cada local onde a corrente será aproveitada, pode obrigar projetistas a prescreverem tecnologias caras demais para atender às exigências. Isso pode causar um efeito contrário ao inicialmente desejado pelos reguladores: tenderia a desestimular companhias de saneamento, empresas privadas e condomínios a investir em projetos que demorariam muitos anos para ser amortizados, inviabilizando economicamente diversos tipos de reúso de esgoto sanitário.

Fig. 1 – Estações compactas podem atender as demandas de maior potencial de reúso de esgoto sanitário, como em hotéis, fábricas, presídios ou em canteiros de obras

Uma situação que poderia ocorrer, na hipótese de os padrões de qualidade de água dessas possíveis novas leis serem elevados para situações distintas, seria exigir a mesma água de reúso utilizada na grama da área de proteção de um presídio por exemplo, onde tem baixíssima afluência de pessoas, para outra empregada em um parque público, onde realmente é preciso mais cuidado sanitário. De maneira semelhante, os dois poderiam estar enquadrados em reúso de jardim, mas com riscos sanitários distintos. Outro exemplo seria exigir padrões de cor rigorosos para água de reúso em geral, uma vez que não se justificaria em muitos casos, como em irrigação e na própria rega de jardim.

As incongruências poderiam se repetir em muitas outras situações. Isso mesmo porque o simples fato de se fazer exigências iniciais de projeto não garante que o meio ambiente, aí incluindo logicamente a população do entorno, permanece seguro depois de a estação de reúso começar a operar. Pensem, por exemplo, que para atender o padrão de qualidade de água e ter seu projeto aprovado, o requerente poderia implantar uma estação aparentemente sofisticada, com tecnologias mais avançadas, como a de membranas, por exemplo. Com o tempo, porém, sem o devido acompanhamento fiscalizatório (comum em muitas partes do país), a estação, que no caso das membranas é muito sensível e mais sujeita às intempéries, pode começar a deixar os contaminantes passarem, colocando o local em risco.

Por isso que a fiscalização contínua, e consequentemente o entendimento das especificidades de cada sistema de reúso pelos órgãos ambientais, é mais importante do que o rigor inicial para a aprovação dos projetos. Não adianta nada exigir que a estação de tratamento de reúso tenha condições de produzir uma água com padrão de potabilidade se ela com o tempo pode se tornar um risco até para necessidades menos nobres.

Por essa razão, deve caber aos formuladores de políticas públicas compreenderem a realidade das diversas situações em que o reúso de água já começa a existir em alguns projetos pelo Brasil e, principalmente, onde há um potencial muito grande de desenvolvimento. E esse entendimento deve servir sobretudo para que o mercado viabilize o reúso, sem precisar recorrer em todos os projetos a tecnologias muito caras e adotando, em boa parte das demandas, estações mais simples, robustas e resistentes, além de menos custosas, que geram água de reúso adequada a cada aplicação. E isso tudo com o devido automonitoramento e responsabilização pelos riscos, com um plano de interrupção do lançamento da água de reúso e de descarte repentino em algum corpo d’água, por tubulações ou mesmo por caminhões a vácuo, pois qualquer tipo de sistema pode estar suscetível à manutenção e necessita de planos para esses períodos, por melhor que ele seja.

ETEs compactas

Um exemplo muito significativo de tecnologia que pode ser adotada em aplicações de reúso de forma viável economicamente é a que se utiliza de estações de tratamento de esgoto (ETEs) compactas. Além de sua praticidade e baixo custo, ela conta com uma diversidade de rotas de tratamento que garante a geração de água de reúso de qualidade para atender as principais demandas existentes no mercado.

No universo dessas ETEs compactas, há algumas alternativas tecnológicas padrões, que podem atender as demandas de maior potencial de reúso de esgoto sanitário, como em hotéis, fábricas, presídios ou em canteiros de obras.

Para começar, há possibilidade de uso da tecnologia SBR (sequential batch reactor, ou reator sequencial em batelada), com fase anóxica e aeróbia para nitrificação e desnitrificação, seguida de tratamento físico-químico por batelada com adição de cloreto férrico para remoção de fósforo e cor. Além disso, esse sistema conta na sequência com filtração de areia e antracito e desinfecção final por cloro ou radiação ultravioleta. Essa rota com SBR se volta para aplicações com menor exigência de qualidade, mas garante, com a filtração lenta de areia, a proteção sanitária e ambiental, por exemplo, para umidificar os taludes de um canteiro de obras, onde foi plantada grama, ou mesmo para umidificar as ruas de uma estrada vicinal de pequena passagem de pedestres, como ruas internas de um grande empreendimento, fazenda e até mesmo presídios.

Uma segunda alternativa é muito boa para pequenas e médias vazões de água de reúso, até 75 m3/dia, e emprega reator ASBR (anaerobic sequential batch reactor) seguido pelo SBR. Sistema totalmente controlado, não tem problema de carga hidráulica e é fácil de ser operado. Com capacidade de remover fósforo, nitrogênio e DBO, permite a alteração de tempo de ciclo e reação, deixando mais ou menos tempo decantando, reagindo ou descartando, tornando-se assim flexível para controlar a qualidade da água gerada.

Uma terceira opção é empregar ETEs compactas com reator anaeróbio UASB (upflow anaerobic sludge blanket), com filtro aeróbio submerso (FAS), com nitrificação e desnitrificação, e seguidas por ETA para pós-tratamento do processo biológico. A ETA é um sistema físico-químico para remover fósforo e cor, além de turbidez quando exigido. No final, ainda há a desinfecção com cloro ou UV. Por ser de fluxo contínuo, e ter um custo mais elevado, essa rota de tratamento é indicada para vazões superiores a 75 m3/dia.

Reúso em presídios

Um exemplo muito claro de implantação de sistemas de reúso que não demandam investimentos muito altos ocorre em presídios, edificações com características naturalmente favoráveis para os projetos, como o fato de contarem com áreas grandes ajardinadas sem grande afluência de pessoas. O perfil dessas penitenciárias permite que estações simples, mas efetivas, consigam com facilidade gerar água de reúso apropriada para as demandas.

Para começar, as bacias sanitárias dos presídios são no chão, as chamadas bacias turcas, e os presos não têm acesso a essa água, que serve apenas como transporte. Isso significa que uma água bem clorada, sem cheiro e de circuito fechado, é o suficiente, pois o cliente não tem contato visual com ela.

Além disso, na área fora da chamada muralha e no alambrado do presídio sempre tem uma grande área verde de observação, onde só passam rondantes, funcionários e agentes penitenciários. Nesse local, é também possível, por meio de normas internas, obrigar o uso de EPIs (equipamentos de proteção individual) ao se lançar uma água de qualidade que não polui o meio ambiente e que oferece quase nenhum risco sanitário. Afora isso, após o alambrado normalmente também há muitos jardins em vários presídios, que podem receber volume de esgoto tratado, por sua vez com característica fertilizante.

Mas também há situações diferentes. A lavagem de pátios de sol, por exemplo, precisa ser feita com uma água de qualidade superior, tendo em vista o seu possível contato com detentos e funcionários. Mas essa limitação não afeta o custo do projeto, visto esse volume demandado ser em um percentual menor.

A adoção de sistemas de reúso em presídios, em nossa análise, traria muitos benefícios. Na época de estiagem, para começar, quando há redução dos aquíferos, os presídios não precisariam usar água dos poços para regar a grama, que por sua vez fica seca e até com risco de inflamar. Já na época das chuvas, a grama tende a ficar sempre molhada e a vazão dos rios permanece maior, portanto com menor risco de desenquadramento.

Já o uso em bacia sanitária e outros circuitos fechados podem ser feitos o ano inteiro. Isso com certeza representaria uma redução de pelo menos 20% do uso das águas subterrâneas, tendo em vista boa parte dos presídios contar com essa fonte de abastecimento.

É claro que, para a implantação do reúso em presídios, alguns estudos devem ser exigidos, com instalação de poços de monitoramento do lençol freático, obrigatoriedade de automonitoramento do projeto e de controle sanitário. Mas essas exigências não poderiam ser um obstáculo para o reúso, assim como pensamos em relação a possíveis legislações muito rigorosas. Isso principalmente porque adotar projetos desse tipo em presídios é duplamente benéfico: combate a crise hídrica e melhora as condições ambientais e sanitárias do sistema penitenciário brasileiro, disponibilizando mais água para os detentos e tornando mais baixo o custo operacional desses empreendimentos.