Requisitos de segurança para geradores FV conforme ABNT e IEC


As instalações elétricas de geradores fotovoltaicos, em função de suas especificidades, necessitam de requisitos complementares ou particulares, os quais não estão detalhados em normas gerais de instalações elétricas. Este artigo mostra quais normas e critérios devem ser usados em sistemas fotovoltaicos e também relata os esforços realizados no âmbito do Comitê Brasileiro de Eletricidade da ABNT para suprir o mercado com uma normalização adequada.


João Cunha, da Mi Omega Engenharia e consultor técnico da Nexans Brasil

Data: 22/02/2017

Edição: FV Janeiro 2017 No 8

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O uso da energia solar no Brasil ainda é incipiente. Contudo, devido à enorme insolação do território nacional, as perspectivas são favoráveis para o crescimento dessa fonte. Estima-se que em 2018 o Brasil deverá figurar entre os 20 países com maior geração de energia solar e, em 2050, 18% dos domicílios brasileiros contarão com geração fotovoltaica, representando 13% da demanda total de eletricidade residencial.

Com a queda nos preços dos painéis fotovoltaicos, verificada no mercado, a participação da geração solar aumenta cada vez mais na matriz energética nacional. Consequentemente, a cada ano novas empresas e profissionais autônomos entram no ramo FV, instalando desde sistemas residenciais, a partir de 1,5 kW, até grandes usinas de capacidade de 254 MW, com produção anual de energia estimada em 500 GWh.

Para as grandes instalações, são contratadas empresas de projetos, as quais têm acesso à normalização internacional e estrangeira. Já no caso das pequenas e médias instalações, em que muitas vezes não são contratadas empresas de projeto ou o serviço é realizado por profissional autônomo, nem sempre os critérios técnicos adequados são seguidos.

Este artigo tem o objetivo de mostrar quais normas e critérios devem ser usados nessas instalações e também de relatar os esforços que estão sendo realizados no âmbito do Comitê Brasileiro de Eletricidade da ABNT para suprir o mercado com uma normalização adequada.

A princípio, pode-se dizer que a instalação de geração FV deve seguir as normas brasileiras de instalações elétricas, ou seja, a NBR 5410, para baixa tensão, e a NBR 14039, para média tensão. Adicionalmente, deve-se observar que essas normas apresentam requisitos gerais, e tais instalações, em função de suas peculiaridades, necessitam de normas com requisitos particulares. Estas normas específicas apresentam prescrições que complementam, modificam ou substituem aquelas contidas nas normas com requisitos gerais.

Fig.1 - Circuito do arranjo fotovoltaico e circuito de aplicação

O primeiro aspecto a considerar é a parte do circuito em foco. A figura 1 mostra uma subdivisão entre circuito do arranjo fotovoltaico e o circuito de aplicação. Para o circuito de aplicação, a base é a norma de instalações elétricas. Futuras edições desse documento exigirão esforços das comissões de instalação elétricas da ABNT, em especial a de baixa tensão, para incluir itens que considerem as instalações alimentadas por painéis FV, como, por exemplo, circuitos de distribuição em corrente contínua.

Do ponto de vista da normalização, o circuito do arranjo fotovoltaico gera mais dificuldades, exigindo uma norma específica, com requisitos particulares para projeto e instalações dos arranjos FV. Esta norma já está em fase final de elaboração pela Comissão CE-03:64.01 - Instalações elétricas de baixa tensão, do Comitê Brasileiro de Eletricidade da ABNT.

Requisitos do circuito do arranjo FV

O arranjo fotovoltaico é definido como um conjunto de módulos ou sub-arranjos fotovoltaicos (parte de um arranjo fotovoltaico que pode ser considerada uma unidade) mecânica e eletricamente integrados, compreendendo a estrutura de suporte. Um arranjo fotovoltaico não inclui sua fundação, aparato de rastreamento, controle térmico e outros elementos similares.

Para as instalações elétricas de arranjos fotovoltaicos, em função de suas especificidades, são necessários requisitos complementares ou particulares, que incluam disposições sobre o cabeamento em corrente contínua, dispositivos de proteção elétrica, dispositivos de chaveamento, aterramento e equipotencialização. Um aspecto essencial a ser considerado nesses requisitos é o fato de a geração FV e todo o circuito do arranjo operarem em corrente contínua. E o desempenho dos componentes em corrente contínua é diferente daquele em corrente alternada.

É importante destacar que, antes de tudo, um circuito de arranjo FV é um circuito elétrico, e deve atender os requisitos de segurança estabelecidos pela NBR 5410. No capítulo 5, esta norma determina medidas de proteção que devem ser atendidas em todas as instalações elétricas de baixa tensão, inclusive as de FV, a saber:

Estas medidas de proteção visam garantir a segurança das pessoas e dos bens; portanto, não podem ser negligenciadas. Se, por acaso, deixam de ser seguidas, não é por que a norma dispensa o seu cumprimento, mas sim por que o profissional de instalação não entendeu a abrangência da normalização ou mesmo não conhece a norma.

Fig.2 - Arranjo fotovoltaico

A seção de proteção contra os efeitos de falhas de isolamento pode ser tomada como exemplo para entendimento da norma de requisitos particulares. Na NBR 5410, esta seção está implícita na seção de proteção contra choques por contato indireto (chamada na NBR 5410:2004 de proteção supletiva). Já na futura norma de instalações FV, em função da importância deste tema nas instalações FV, foi criada uma seção específica para tratar da proteção contra este tipo de falha.

Outro aspecto fundamental é a seleção dos componentes para o circuito de arranjo FV, os quais devem satisfazer as condições particulares de serviço e as influências externas existentes neste tipo de instalação, como as intempéries e o efeito das radiações solares. As instalações FV — e todas as instalações elétricas — devem ser classificadas quanto às influências externas de acordo com a seção 4.2.6 da NBR 5410, e a seleção dos componentes deve ser feita de forma adequada segundo a seção 6.1.3.2. Deve-se considerar ainda que a característica intrínseca de todos os painéis ou módulos FV é a geração de energia em corrente contínua. Portanto, todos os componentes devem ser apropriados para este uso.

A seguir, são apresentados alguns componentes das instalações FV e suas características, considerando tanto a natureza da corrente gerada quanto as condições de influências externas específicas das instalações FV.

Disjuntores

A dificuldade de interromper uma corrente contínua não é igual à da corrente alternada. Em corrente contínua, o dispositivo tem de interromper uma corrente sob uma tensão constante; já em corrente alternada, a tensão passa pelo zero a cada 8,33 ms (em rede de 60 Hz, como no Brasil).

Existem disjuntores desenvolvidos especialmente para interrupção de corrente contínua, embora alguns disjuntores de corrente alternada possam ser adaptados para uso em corrente contínua. Neste caso, normalmente, deve ser alterada a capacidade de interrupção de corrente do disjuntor que pode ser usado tanto em corrente contínua quanto em corrente alternada, sendo o valor de uma corrente de curto‐circuito em corrente contínua inferior ao da corrente alternada. Vale dizer que há disjuntores que não estão aptos a trabalhar em corrente contínua e, portanto, não podem ser utilizados nas instalações de arranjo FV.

DPS

Na maioria das vezes, uma instalação FV localiza‐se em regiões com classificação de influências externas de raios AQ3, isto é, com riscos provenientes da exposição dos componentes da instalação à descarga direta dos raios. Esta condição obriga a instalação de dispositivos de proteção contra surtos DPS.

Fig.3 - Dois tipos de DPS: o convencional e o utilizado em sitemas FV

Foram desenvolvidos dispositivos DPS específicos para as redes fotovoltaicas, que operam em corrente contínua, testados com requisitos adequados aos sistemas FV, como, por exemplo, baixa corrente de curto‐circuito. O teste de final de vida útil garante que o DPS suporta a corrente de curto‐circuito dos módulos FV, dispensando assim a proteção contra sobrecorrentes por disjuntor ou fusível para o final da vida útil. Esses DPS devem estar em conformidade com a norma EN 50539‐11. A figura 3 ilustra a ligação dos dois tipos de DPS.

Cabos

Os cabos para instalações FV são usados nas interligações de painéis, sub-arranjos e caixas de junção. Transportam corrente contínua e são aplicados principalmente em instalações externas, fixados em suportes, bandejas, leitos, dutos ou ao ar livre, sujeito às intempéries. Portanto, devem atender requisitos de resistência à radiação ultravioleta e serem não propagantes de fogo, sendo desejável também que sejam livres de halogênio. Os requisitos de influências externas garantem bom desempenho das conexões ao longo de toda a vida útil.

Requisitos do circuito de aplicação

O circuito de aplicação é a instalação consumidora propriamente dita, que pode ser em corrente alternada — utilizando para isso um inversor, até mesmo para possibilitar injeção da energia excedente na rede pública, dado o caso — ou corrente contínua, que pode ser realidade no futuro.

Esta parte da instalação está praticamente coberta pela NBR 5410, sendo necessários, para a próxima revisão, pequenos ajustes para abranger o avanço da geração FV no País. Por exemplo, é necessário considerar a possibilidade de circuitos de distribuição em corrente contínua — a norma brasileira de instalações elétricas trata vagamente desse assunto. Atualmente, vários equipamentos são alimentados internamente em corrente contínua, exigindo componentes de conversão de corrente alternada em contínua, como lâmpadas LED, notebook, desktop, celulares, aparelhos de televisão, instrumentos de medidas, etc. Embora a NBR 5410 ainda não apresente requisitos particulares de forma detalhada, a atual edição contém requisitos gerais, sendo aplicada aos circuitos elétricos alimentados sob tensão nominal igual ou inferior a 1500 V em corrente contínua.

Principalmente nas instalações FV de pequeno porte, destinadas a alimentar uma edificação, substituindo ou complementando a alimentação pela rede pública de distribuição de energia elétrica, alguns aspectos devem ser ressaltados como requisitos dos circuitos de aplicação. O primeiro é que o gerador FV é uma fonte. Embora isto esteja implícito, muitas vezes não são consideradas as prescrições de segurança relativas a fontes na conexão do circuito do arranjo (gerador FV) com o circuito de aplicação.

Um módulo FV é uma fonte com uma corrente de curto-circuito baixa. Esta característica, embora seja favorável na instalação no circuito do gerador FV, dificulta a proteção contra choques por contato indireto. A baixa corrente pode não ser suficiente para sensibilizar um disjuntor ou fusível no seccionamento automático da alimentação em esquemas de aterramento TN. Pode ser necessária a utilização de dispositivos DR na proteção supletiva, a exemplo do esquema TT, que também apresenta corrente de falta de baixa magnitude. Esta condição pode ser mais facilmente detectada em uma instalação nova; já na implantação de um gerador pequeno em uma instalação existente, tal situação pode passar despercebida, eliminando a proteção contra choques.

Conclusão

O atendimento da NBR 5410 já é de grande valia para a segurança de um projeto e instalação de sistemas FV, tanto nos circuitos do gerador quanto nos circuitos de aplicação. O maior problema é a interpretação incorreta das prescrições da norma geral. Enquanto não é publicada pela ABNT a norma de requisitos particulares para instalações FV, uma solução é utilizar a norma internacional IEC 62548, que é a base da futura norma brasileira.