Métodos de especificação de EPIs para proteção contra arcos elétricos


O arco elétrico é uma das principais causas de acidentes envolvendo trabalhadores de eletricidade no Brasil, mas, segundo os autores do artigo, a legislação nacional apenas sugere o uso de roupas de proteção e EPIs, sem detalhar suas especificações, o que leva muitas vezes ao uso de vestimentas inadequadas. Aqui, eles abordam duas normas estrangeiras de especificação de vestimentas e EPIs para situações com risco de arcos elétricos.


Deonisio Lourenço Lobo e Sérgio H. L. Cabral, Furb - Fundação Universidade Regional de Blumenau

Data: 20/08/2016

Edição: EM Agosto 2016 - Ano 44 - No 509

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Um arco elétrico em um sistema de potência libera grande quantidade de energia calorífica num curto intervalo de tempo, gerando diversos riscos para as pessoas próximas ao local da ocorrência, como cegueira, surdez, queimaduras muito severas e até mesmo óbito, bem como incêndio. Este artigo trata da proteção de trabalhadores de eletricidade, abordando duas normas estrangeiras sobre o assunto. O foco é a especificação de vestimentas e EPIs para proteção contra arcos elétricos.

As normas nacionais apenas sugerem o uso de roupas de proteção e outros EPIs, mas não os especificam, levando muitas vezes à utilização de vestimentas inadequadas. Já as normas dos EUA IEEE 1584:2002 – Guide for Performing Arc-Flash Hazard Calculations e NFPA 70E:2004 – Standard for Electrical Safety in the Workplace baseiam-se no cálculo da energia incidente em um trabalhador e na especificação da vestimenta adequada a partir do valor do ATPV Arc Thermal Performance Value, o qual corresponde ao máximo valor de energia incidente suportado pelo tecido sem exceder o limiar de queimadura, que é a de segundo grau.

Este artigo apresenta dois exemplos práticos de aplicação dessas normas.

O arco elétrico e a normalização

A quantidade de energia produzida por um arco elétrico pode ultrapassar 100 cal/cm² por segundo [1]. Exposta a essa condição, a pele humana atinge, já em meio segundo, a temperatura de 500ºC e a água nela contida aumenta seu volume em cerca de 500 vezes, tendo o mesmo efeito de uma explosão pela quase instantaneidade da expansão. O ar ao redor do arco, aquecido pela passagem da grande quantidade de energia, também expande seu volume em cerca de 2,5 vezes, tendo também o efeito de uma explosão, a qual atinge o corpo com um pequeno retardo em relação ao calor, que incide de forma praticamente instantânea.

Vestimentas de proteção contra os efeitos dos arcos elétricos _ Adequadas ou sobredimensionadas?

O arco elétrico tem sido uma das principais causas de acidentes a trabalhadores de eletricidade [1]. No Brasil, segundo a Fundação Coge [2], de 2000 a 2013 houve 404 acidentes com ocorrência de arco elétrico; a maioria na rede de distribuição de energia elétrica, principalmente durante a instalação de medidores de energia [2].

De fato, a maior parte dos acidentes com arco elétrico acontece quando condutores energizados ou peças de um circuito estão expostos e há uma pessoa interagindo com o sistema [3]. Por exemplo: quando remove barreiras de proteção, como portas de painéis, para instalar ou retirar componentes operacionais com o sistema energizado, o trabalhador fica totalmente vulnerável ao perigo e sua segurança depende fundamentalmente da adoção de práticas confiáveis e do uso de EPIs adequados, especialmente a vestimenta.

Apesar desse cenário, a legislação brasileira [4] para segurança e saúde dos trabalhadores em eletricidade ainda não dá a importância necessária aos riscos do arco elétrico; ao contrário de países da América do Norte e Europa Ocidental, onde as atividades envolvendo eletricidade são altamente regulamentadas [5] desde os anos 80, e as normas referentes a arcos elétricos estão fundamentadas em ações preventivas, já adotadas na fase de elaboração de um projeto elétrico, sendo as vestimentas de proteção contra queimaduras por arco elétrico consideradas um último recurso.

Por sua vez, a Norma Regulamentadora nº 10 apenas determina que as vestimentas “devem ser adequadas às atividades, devendo contemplar a condutibilidade, inflamabilidade e influências eletromagnéticas”. Porém, não define o que é uma vestimenta adequada para as diversas atividades em eletricidade. Com isso, quando raramente utilizados, tais EPIs são em geral superdimensionados, o que dificulta a movimentação do eletricista para realização de trabalhos.

Nos EUA, a norma mais relevante e utilizada para estimar os riscos de um arco elétrico é a já mencionada IEEE 1584 [5], que determina a distância segura para o risco de arco elétrico e a consequente energia incidente durante o desenvolvimento de atividades realizadas em um equipamento elétrico ou nas proximidades de um sistema energizado. A sua metodologia de cálculo estima a energia incidente por meio de equações desenvolvidas através de análises estatísticas obtidas a partir de inúmeros testes em laboratório.

Não menos importante é a também mencionada norma NFPA 70E [7], revisada em 2012, que também se baseia em cálculo da energia incidente e da distância segura de aproximação para determinação dos EPIs a serem utilizados pelos trabalhadores. Neste caso, a distância segura de aproximação é definida como a distância à fonte de arco na qual a quantidade de energia de 1,2 cal/cm² incide sobre uma pessoa sem equipamento de proteção, causando-lhe queimadura de segundo grau.

O método de cálculo da IEEE 1584 tende a ser mais realista do que o da NFPA 70E, implicando menores níveis de energia incidente para uma mesma instalação. Isso evita que o trabalhador utilize uma proteção excessiva, a qual poderia dificultar a execução de suas atividades laborais.

Quanto às normas canadenses, a mais relevante é a CSA Z462 Workplace Electrical Safety [5], que estabelece práticas de segurança, e é semelhante à NFPA 70E. Seu objetivo é reduzir ou eliminar a exposição dos trabalhadores ao risco de arco elétrico. O documento descreve como avaliar e utilizar o risco do arco elétrico para seleção dos EPIs adequados às atividades a serem realizadas.

Em relação às normas europeias, a Diretiva 89/391/EEC Measures to Encourage Improvements in the Safety and Health of Workers at Work [5], publicada em 1989, possui elevado grau de exigência em relação às obrigações dos empregadores quanto aos requisitos de segurança no trabalho. A norma determina que os empregadores devem avaliar o risco e adotar medidas mitigadoras abrangentes. No entanto, não detalha sua aplicação em relação a riscos específicos. Outra norma europeia que aborda requisitos de segurança em relação ao arco elétrico é a EN 5110-1 Operation of Electrical Installations [5], que enfatiza medidas de engenharia e soluções de projeto capazes de reduzir a exposição dos trabalhadores aos riscos da eletricidade, em detrimento dos requisitos de EPIs necessários para execução das atividades.

Por conta de sua referência e maior aplicabilidade, as normas estadunidenses são consideradas em duas situações práticas, relatadas a seguir.

Estudos de caso

São apresentados aqui dois estudos de caso que visam comparar as metodologias da IEEE 1584 e da NFPA 70E na determinação das especificações das vestimentas para proteção contra os efeitos térmicos do arco elétrico.

Caso 1: Instalação de medidor de energia elétrica em baixa tensão

Considere a instalação de um medidor de energia elétrica trifásico, em baixa tensão, em um consumidor localizado próximo a um transformador abaixador de 13,8 kV para 380/220 V, com potência de 112,5 kVA e impedância do transformador de 3,5%, protegido em seu lado primário por elos fusíveis 6K. A rede primária, com extensão de 1,4 km, possui cabos 336,4 MCM, e é protegida na saída da subestação da concessionária por um religador com ajuste de corrente de fase em 250 A. Segundo a concessionária, na saída do circuito de baixa do transformador, a potência de curto-circuito é de 28,7 MVA, que corresponde a uma corrente de curto-circuito trifásica simétrica (Icc) de 1,22 kA, a qual, refletida para o primário do transformador, representa uma corrente de curto-circuito de cerca de 34 A, que é muito baixa para sensibilizar o religador da concessionária. Portanto, a proteção fica unicamente por conta do elo fusível, que, de acordo com a curva característica tempo vs. corrente fornecida pelo fabricante, tem sua fusão em um intervalo de tempo máximo de 0,8 segundos para a corrente de 34 A.

Embora a rede secundária seja constituída por cabos de alumínio multiplexados, de seção nominal 35 mm² para fases e o neutro, e por isso represente um pequeno acréscimo de impedância de curto-circuito, essa não será considerada, implicando numa especificação de categoria de risco mais alta para a vestimenta, como é para os demais EPIs.

O eletricista executa toda a ligação do medidor no nível do solo com os condutores desenergizados. Após instalar o equipamento, realiza a conexão com a rede secundária energizada.

Cálculo pelo método NFPA 70E – Para aplicação deste método, considerase que, ao realizar o serviço, o eletricista mantém o corpo a cerca de 40 cm dos condutores — essa é, portanto, a distância dele ao ponto de arco (D), a qual equivale a 15,7 polegadas. Com todos esses dados descritos, obtém-se o valor da energia incidente (Ema) pela seguinte fórmula [7]:

Portanto, de acordo com a tabela 130.7 (C) (9) da NFPA [7], o valor de energia incidente indica a necessidade de utilização de vestimentas e de EPIs da categoria de risco 3 (elevado), com valor de desempenho frente a arco (ATPV) mínimo de 25 cal/cm². Características básicas das vestimentas e dos EPIs estão descritos na tabela 130.7 (C) (16) da NFPA 70E [7].

Por sua vez, a distância mínima de aproximação segura (Da) é determinada por [7]:

Cálculo pelo método IEEE 1584 – Pelo método IEEE 1584, deve-se inicialmente calcular a corrente de arco. Além de considerar os dados da instalação, deve-se obter valores típicos a partir de tabelas específicas. Por exemplo, na instalação de um painel de medição em baixa tensão, a distância típica entre condutores (G) deve ser de 40 mm, de acordo com a tabela 4 de [6], e a distância de trabalho típica (DN), de 455 mm, segundo a tabela 2 e 3 de [6]. Além disso, a norma prevê a utilização de alguns coeficientes específicos, segundo os tipos de equipamentos envolvidos, instalação e ambiente, como: fator de distância (X) igual a 2,0; fator K para ambiente aberto de –0,153; fator K1 para ambiente aberto de –0,792; fator K2 para sistema aterrado de –0,113; e fator de cálculo (Cf) igual a 1,5.

Primeiramente, determina-se a corrente do arco elétrico [6]:

Em seguida, é determinado o valor da energia incidente normalizada, EN:

E depois é calculada a enegia incidente convertida da normalizada:

O valor da energia incidente calculado indica a necessidade de utilização de EPIs de categoria de risco 1, cujo ATPV mínimo é de 4 cal/cm².

Por sua vez, a distância segura de aproximação (D) é obtida por:

Caso 2: Manobra de disjuntor em baixa tensão

Considere a tarefa de manobra de abertura de disjuntor numa rede de 380/220 V, alimentada por um transformador de 3000 kVA com impedância de 6,0%. Um cabo 3# (11 x 240)(3 x 240) mm² EPR 90ºC, com 10 m de comprimento liga o transformador.

Neste caso, uma falha de abertura de um dos contatos pode manter o barramento de saída energizado, provocando um arco elétrico ao se conectar o grampo de aterramento temporário. Também pode ocorrer falha na câmara de extinção de arco do disjuntor, originando um curto-circuito trifásico. O transformador é protegido no lado primário por um disjuntor isolado a vácuo, cuja corrente nominal é de 630 A, que é acionado por relé secundário, com tempo de abertura de 80 ms. Em caso de falta no disjuntor de baixa tensão, a proteção será feita pelo disjuntor em média tensão. O sistema é solidamente aterrado. De acordo com a concessionária, a corrente de curtocircuito trifásica simétrica no lado de baixa do transformador (Icc) é de 19 kA — considerado o valor da corrente de curto no disjuntor, já que a impedância dos condutores entre o transformador e o disjuntor de baixa tensão foi também desconsiderada no cálculo da corrente de curto-circuito. Ao realizar o serviço, o eletricista deverá manter o corpo a cerca de 60 cm do disjuntor, e sua mão terá que tocá-lo de forma que a distância desta à parte energizada do disjuntor seja de cerca de 25 cm.

Desta forma, os dados elencados para determinação da energia incidente são: corrente de curto-circuito trifásica simétrica (Ibf) de 19 kA; tempo de abertura da proteção (Dt) de 0,08 s; distância do ponto ao arco (D) de 250 mm ou 9,8”; e distância entre condutores (G) de 32 mm, sendo o ambiente considerado fechado.

Cálculo pelo método NFPA 70E – Após levantamento dos dados do sistema, são feitos os cálculos conforme a NFPA 70E. Para arcos elétricos em ambiente fechado, deve-se usar a seguinte equação:

O valor da energia incidente calculado indica necessidade de utilização de EPIs de categoria de risco 2 com ATPV mínimo de 8 cal/cm².

A distância mínima de aproximação segura (Da) é dada por:

Cálculo pelo método IEEE 1584 – Pelo método IEEE 1584, deve-se inicialmente calcular a corrente de arco. A norma prevê o uso de alguns coeficientes de acordo com o tipo de equipamento, instalação e ambiente, como distância (G) para painel de distribuição igual 32 mm; fator de distância (X) de 1,473; distância de trabalho típica (D) de 250 mm; fator K para ambiente fechado de –0,097; fator K1 para ambiente fechado igual a –0,555; fator K2 para sistema aterrado igual a – 0,113; e fator de cálculo (Cf) de 1,5.

Desta forma, a corrente de arco elétrico (Ia) é determinada por:

Em seguida, é calculada a energia incidente normalizada EN:

Por conseguinte, o valor da energia incidente é:

Conforme os resultados obtidos, há necessidade de utilização de EPIs e vestimentas de categoria de risco 2, com ATPV mínimo de 8 cal/cm².

O valor da distância segura de aproximação (D) é:

No primeiro caso, a norma NFPA 70E apresenta como resultado uma especificação de EPI de categoria bem superior à norma IEEE 1584. No segundo caso, a categoria obtida foi a mesma para ambas as normas. A NFPA 70E é eficiente para correntes de curto-circuito entre 16 kA e 50 kA [3]. Isto fica evidente no estudo de caso 1, onde a corrente de curto-circuito é de apenas 1,22 kA.

Conclusão

No Brasil, por não haver norma específica, pode-se optar por normas estrangeiras para determinar a categoria dos EPIs e das vestimentas para proteção contra os efeitos térmicos do arco elétrico. A NFPA 70E e a IEEE 1584 são as mais recomendáveis. Entretanto, conforme os estudos de caso, há diferenças significativas no resultado apresentado pelas duas normas. Os cálculos realizados segundo a NFPA 70E parecem ser mais simples, mas levam, em alguns casos, a sobredimensionamentos das vestimentas, que causam outros problemas de natureza ocupacional, como estresse térmico e problemas ergonômicos. Por exemplo, as roupas de classe 3 e 4 são mais pesadas e as luvas e protetor facial atrapalham a sensibilidade do trabalhador.

Já do ponto de vista da IEEE 1584, a especificação de vestimentas e dos EPIs é mais elaborada. Entretanto, há controvérsias. Por exemplo, segundo [8], a norma subestima os perigos em algumas situações e os superestima em outras.

Como se vê, determinar corretamente os EPIs e vestimentas de proteção contra os efeitos térmicos do arco elétrico não é tarefa fácil. Mas é necessário lembrar que o uso desses elementos deve ser o último recurso na proteção do trabalhador. Primeiramente, devem ser utilizados meios que reduzam ao máximo os diversos fatores que causam acidentes com arcos elétricos.

Referências

  1. Chouchair, Jean Soares: Cálculo da energia incidente para escolha adequada da vestimenta de proteção ao arco elétrico. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2011.
  2. Fundação Coge. Fundação Comitê de Gestão Empresarial. Disponível em <http://www.funcoge.org.br/>. Acesso em 1 mar. 2015.
  3. Lobo, Deonísio L.: Cálculo da energia incidente para especificação das vestimentas de proteção contra os efeitos térmicos do arco elétrico. Blumenau: Furb, 2015.
  4. MTE: Norma Regulamentadora nº 10 NR10 Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade. Ministério do Trabalho e Emprego, Brasília: 2004.
  5. Queiroz, Alan R. S.; Senger, Eduardo C.: Principais normas sobre os riscos do arco elétrico. Revista O Setor Elétrico, pp. 42-47, fevereiro 2012.
  6. IEEE STD 1584: Guide for Performing Arc Flash Hazard Calculations. IEEE, 2002.
  7. NFPA 70E Standard for Electrical Safety Requirement for Employee Workplace, 2009.
  8. Stokes, AD.; Sweeting, D.K.: Electric arcing burn hazards. Indus-try Applications. IEEE Transactions on Jan.-Feb., 2006. p. 134-141.