A união sob gás de proteção na fabricação de turbinas


Este artigo trata de um sistema de soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita desenvolvido pela Siemens, em que o arame é guiado mecanicamente entre ambos os lados da folga, podendo ser programado de forma cíclica para que ocorra boa penetração de queima nos flancos. Além disso, são abordados exemplos de aplicações deste equipamento na construção de turbinas, bem como um algoritmo de controle do alinhamento automático do queimador em termos de altura, oscilação da largura e centralização do cordão de solda, equipamentos de inspeção e detecção de anomalias, e um parâmetro voltado para a avaliação da viabilidade econômica do processo, denominado Índice de Eficiência Econômica (Economic Efficiency Number, E. E. N.).


K. Heinz Gunzelmann, H. Hanebuth e K. Niepold

Data: 29/03/2017

Edição: CCM Fevereiro 2017 - Ano XII - No 142

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Fig. 1 – Princípio da soldagem a arco oscilante

O primeiro equipamento de soldagem TIG com folga estreita introduzido pela Siemens em suas próprias instalações no ano de 1983 era utilizado para a soldagem de componentes de turbinas a vapor. Embora a união a arco sob gás de proteção com folga estreita estivesse apta para uso antes da versão TIG, este processo passou a ser usado somente em meados de 1996 devido à ausência de materiais de adição que fossem suficientemente adequados para aplicações, por exemplo, na fabricação de carcaças e válvulas. As propriedades do material usado na soldagem a arco sob gás de proteção não correspondiam com as requeridas pela soldagem a arco submerso em pó, e o aperfeiçoamento dos gases de proteção constituídos por múltiplos componentes e de fontes de soldagem possibilitaram o surgimento de processos com alto nível de reprodutibilidade.

A soldagem a arco com folga estreita desenvolvida pela Siemens baseia-se no fato de que o arco se move transversalmente por ação mecânica, de forma pendular, de um flanco da junta para outro (figura 1) (2). O ajuste da largura da oscilação e os tempos de permanência sobre os flancos, bem como a potência alcançada pelo arco, garantem valores consistentes de profundidade de queima no flanco, podendo ser superiores a 0,5 mm. Dependendo da geometria e do alinhamento do formato da união, pode ser utilizada a versão de espada ou de tubo (figura 2).

espada ou de tubo (figura 2). Conforme é o raio de curvatura de uma junta circular, a largura da folga pode ser igual a 14 mm, enquanto numa junta retilínea esse valor pode ser de 12 mm. Por meio da alteração do ângulo de oscilação pode-se adotar folgas com largura de até 18 mm nos casos normais, e de até 20 ou 22 mm em casos especiais, usando o mesmo equipamento. Em se tratando destes últimos, uma largura de folga de 10 mm é viável.

Fig. 2 – Diferentes formas de ranhura, tipos de tocha e posições de soldagem.

Fig. 3 – Soldagem TIG ou a arco sob gás de proteção com folga estreita num sistema de portal

Comumente, o arco oscila de um lado a outro depositando um cordão na posição. Uma alternativa para obter os valores desejados para o material e a energia específica como, por exemplo, evolução de resfriamento ( tempo de arrefecimento entre 800 e 500°C, t8/5), sob posições de soldagem definidas, é o procedimento que deposita dois cordões por posição (figura 2), por meio do qual, até o momento, podem ser confeccionadas juntas com espessura de até 300 mm.

Fig. 4 – Soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita, com um robô industrial.

Anteriormente, o uso dosequipamentos de soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita era restrito, sendo eles, por exemplo, integrados a sistemas consolidados, devido ao porte dos componentes de turbinas a vapor e gás (figura 3). No caso da produção de peças desta classe, a soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita pode ser robotizada, o que requer um investimento relativamente baixo. Devido a isso, a Siemens aperfeiçoou os seus recentes sistemas de soldagem com folga estreita em termos de modularidade e capacidade do robô (figura 4).

Aplicações da soldagem com folga estreita

Uma das primeiras aplicações da soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita foi a união de segmentos de flange anulares para carcaças de turbinas a gás (figura 5), feitos a partir de chapas – de 16 Mo 3, entre outros aços – com espessura de até 300 mm. As chapas, neste processo, são posicionadas sobre uma placa de apoio e então soldadas na posição PA a partir de um lado (figura 6, pág. 26). Ao chegar à extremidade da junta a tocha gira em 180° e passa a operar no sentido inverso, processo que se repete até que seja necessário remover a escória. Outro exemplo foi a confecção de uma junta para reparar um trocador de calor com cobertura em formato de calota, cujo diâmetro era de 4,5 m e a espessura da parede de aproximadamente 100 mm, sendo a largura da folga de 12 mm e a posição de soldagem PC (figura 7).

Fig. 5 - Segmentos de flange anular para carcaça de turbinas a gás - podem ser suprimidas as etapas de giro, preenchimento e contra-soldagem.

Um desafio futuro será a soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita de turbinas hidrelétricas (figura 8). Neste caso, além da posição PA, serão necessárias as posições PC e PF, que se destacam no que tange à estabilidade de processos. Os materiais a serem unidos serão aço de baixa liga (similar ao S355) ou de alta liga (similar ao 1.4301), ou mesmo inox e aço de baixa liga. Devido ao peso das peças e às condições desse tipo de operação, a largura de folgas pode variar de 12 a 20 mm, valores que devem ser considerados para que sejam estabelecidas a largura de oscilação, a centralização da junta e a velocidade de soldagem.

Fig. 6 – Seção metalográfica ao longo do flange anular: cordão confeccionado por soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita, parede com espessura de 140 mm e posição PA.

A soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita de rotores de turbinas a vapor impõe requisitos em termos de:

Esses requisitos têm sido atendidos de forma confiável pela soldagem TIG com folga estreita em trabalhos em rotores para usinas termelétricas, processo que pode ser adotado como referência no que tange ao aperfeiçoamento para maior produtividade e eficiência econômica. A soldagem a arco submerso em pó com folga estreita (com alta capacidade de fusão) é um método consagrado no que diz respeito à união de camadas intermediárias em rotores (3) (tabela 1).

A possibilidade de visualização e a técnica de “um cordão por camada” viabilizada pela pouca quantidade de escória, bem como os bons efeitos entre camadas e a possibilidade de obter larguras de folga mais estreitas que as comumente especificadas, foram fatores que favoreceram o processo de soldagem a arco sob gás de proteção (4). Inicialmente, foram soldados corpos de prova em forma de bloco, os quais atenderam a todos os requisitos em termos da qualidade da junta em nível semelhante ao metal-base. Assim, os parâmetros de soldagem, bem como o aporte de calor e o ajuste dos parâmetros de controle do cabeçote para folga estreita, foram otimizados com base nas propriedades do material da junta (tabela 2).

Também foram comparadas as propriedades obtidas e as requeridas para uma junta em aço ligado ao NiCrMoV confeccionada num rotor sob baixa pressão. As propriedades proporcionadas pelo processo TIG não foram plenamente obtidas, contudo, os valores especificados foram consideravelmente excedidos (figura 9, pág. 29). Uma amostra metalográfica comprovou a viabilidade da combinação de materiais similares e de juntas não-similares em aços com baixo e com alto teor de cromo. Além disso, um tratamento térmico posterior adequado possibilita a obtenção de propriedades otimizadas no material e, no caso de juntas mistas, a supressão da camada intermediária (figura 10).

Avaliação econômica

Para decidir qual o tipo de soldagem com folga estreita deve ser usado, é necessário considerar os investimentos requeridos para a confecção de juntas cada vez mais espessas em um maior número de componentes, o que abrange custos, prazos de fabricação e qualidade de manufatura, além de implantação de operações automatizadas e/ou mantenimento de soldagem manual.

Fig. 7 – Soldagem em campo de uma junta de manutenção, em posição PC: dispositivo de soldagem na parte superior com tocha para folga estreita, sobre o carrinho em movimento circular. A macrografia mostra os dois cordões que constituem cada camada.

No que diz respeito à viabilidade econômica do processo, uma análise, usando um exemplo de fabricação de carcaças para turbinas (figura 11), constatou que, em muitos casos, a potência de fusão não é alcançada e que a largura da folga influencia o resultado de forma substancial. Isso significa que o preenchimento de uma folga larga sob alta potência de fusão pode levar mais tempo do que o relativo a uma folga com apenas metade da largura da primeira, sob 60 ou 70% do valor original de potência de fusão. Logo, folgas com menor largura, apesar da menor potência de fusão, podem ser eventualmente preenchidas sob maior velocidade e, consequentemente, com maior economia. Esta relação pode ser expressa pelo denominado “Índice 2E ou EEN” – Economic Efficiency Number (Índice de Eficiência Econômica), que está associado às velocidades de preenchimento, permitindo uma comparação do desempenho econômico dos diferentes processos de soldagem com folga estreita. Quanto maior for o índice EEN maior será o desempenho econômico em relação ao tempo de soldagem conseguido (figura 12).

Fig. 8 – Carcaça de turbina feita com chapas isoladas soldadas. O sistema precisa determinar, de forma autônoma, a largura real da junta.

Ao longo do eixo das abcissas do gráfico visto na figura 12 está a potência ou taxa de fusão, expressa em kg/h. O gráfico mostra linhas para diferentes valores de largura de folga, variando de 8 a 25 mm. Pode-se fazer uma comparação entre, por exemplo, as larguras de folga de 20 e 12 mm. As linhas tracejadas na região “A” correspondem à versão com arame único, já as da região “B” indicam a variante com arame duplo. Pode-se então observar, no eixo das ordenadas, que a versão com arame único apresenta um valor 2E igual a 0,63 para a combinação constituída por largura de folga igual a 6 mm e potência de fusão de 6 kg/h. Por sua vez, para uma largura de folga igual a 12 mm e potência de fusão com 4,5 kg/h (valores da região “A”), o valor 2E foi igual a 0,79. De forma análoga, para a versão com arame duplo (região “B”), foram obtidos valores 2E iguais a 1,27 e 1,58, respectivamente.

Isto significa que se consegue melhor desempenho econômico nos processos com menor valor de largura de folga. O intervalo entre as linhas e sua inclinação na direção do lado direito do diagrama também deixa claro que uma redução da largura da folga tende a ter maior efeito sobre o desempenho econômico do que uma elevação da potência de fusão.

Fig. 9 – Os valores especificados foram consideravelmente excedidos: comparação dos requisitos com os resultados obtidos.

Garantia da qualidade e módulo de controle

O tempo de soldagem necessário para a deposição de uma camada pode ser de uma hora ou mais, no caso de componentes de grande porte para uma carcaça e, especialmente, no caso de rotores em operação contínua. Nessas circunstâncias é difícil evitar a ocorrência de erros por parte do usuário, o que leva à possibilidade de configuração de processos independentes. Isso se torna ainda mais significativo quando é requerido um grau adequado de penetração de queima nos flancos e uma mistura para a obtenção das propriedades uniformes na junta soldada.

Para atender aos requisitos de qualidade e de consistência de manufatura foram desenvolvidos algoritmos para o controle do processo, predominantemente baseados no arco, os quais podem equalizar alterações da largura da folga e das superfícies das juntas cortadas termicamente. A partir disso, foram elaborados módulos de softwares de controle que executam funções como, por exemplo, manter a distância da tocha e a profundidade de queima no flanco constantes, para manter o alinhamento do cordão e a altura de preenchimento em cada camada da solda, sob larguras de folga variáveis.

Fig. 10 – Micrografia de material de rotor para baixa pressão: o tratamento térmico ajustado conforme a região possibilita a obtenção de propriedades otimizadas para o material.

Fig. 11 – Soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita de segmentos de flange anular: apesar da menor potência de fusão, ela possibilita o uso de menores larguras de folga, eventualmente com maior velocidade de preenchimento e, consequentemente, melhor desempenho econômico.

Monitoramento, registro dos dados e documentação

Ao longo do desenvolvimento e otimização do processo de soldagem a arco sob gás de proteção com folga estreita foram aperfeiçoados sistemas de monitoramento por vídeo, cuja configuração passou a contar com câmeras, objetivas e filtros, especialmente na soldagem de rotores. Câmeras monitoram a área submetida à soldagem, podem ampliar o arco e mostrar uma razão de contraste entre ele e a região do fundo da ranhura (figura 13). As imagens são transmitidas a um monitor e são sincronizadas com o movimento oscilante, podendo ser vistas em tempo real e/ou armazenadas para casos de documentação.

A exposição sincronizada de dados no monitor facilita a classificação dos registro provenientes da soldagem. A aquisição de dados engloba três níveis funcionais:

Fig. 12 – Índice de Eficiência Econômica 2E (EEN, Economic Efficiency Number): maior economia ao usar folgas menores.

Fig. 13 – Imagem gerada pela câmera: visão do processo de soldagem a arco sob gás ativo (MAG).

A ultrapassagem de limites estabelecidos em termos de alerta e interrupção levam à troca de cores no gráfico de barras. Além disso, elas indicam, por exemplo, o nível de desgaste do bocal de contato do fio e, no caso de perturbação funcional, podem acionar uma parada automática do processo antes que surjam defeitos no cordão de solda. No caso da soldagem de rotores, os dados da posição da tocha em termos do ângulo de rotação e da profundidade do cordão de solda viabilizam a rastreabilidade dos resultados obtidos nos ensaios de ultrassom.

Referências

  1. GUNZELMANN, K. H.: German Patent DE 3220242 C2, 1982.
  2. GUNZELMANN, K., GÖTSCH, D., JANSSEN, W., METZ, M.: Engspaltschweißen – Ein Prinzip für drei Verfahren. Schweißen und Schneiden, 2008, 60, 270-278.
  3. KELLER , S., BALBACH, W.: Jahre Erfahrung bei der schweißtechnischen Fertigung und Reparatur von Rotoren für Gas - und Dampfturbinen. DVS Beriche Band, 2009, 80, 255.
  4. KILLING, R.: Schweißen mit engen Fugen spart Zusatzwerkstoff bei herkömmlichen Verfahren. Maschinenmarkt, 1985, 91, 1612-1614.