Influência do revenimento duplo sobre as propriedades de aços-ferramenta para corte a frio


O aço SAE D2 é uma das ligas mais utilizadas na indústria metalmecânica devido às suas características, principalmente em processos de conformação e corte a frio. Ele possui alta dureza e excelente estabilidade dimensional, o que dificulta a sua conformação, podendo ser submetido à têmpera convencional, para que sua resistência seja aumentada pela formação de martensita, e ao revenimento subsequente, para a redução das tensões internas. O objetivo deste trabalho foi verificar a influência do duplo revenimento nas propriedades do aço SAE D2 por meio de ensaios com corpos de prova que foram aquecidos à temperatura de 1.020°C e resfriados bruscamente em óleo. Os resultados foram obtidos a partir de ensaios de impacto Charpy e de dureza Vickers, e foi constatado que o duplo revenimento agregou maior tenacidade à liga, sem que ela perdesse sua dureza superficial.


T. O. Barros, A. J. Picoli, J. Borghi e R. B. Junior

Data: 06/03/2017

Edição: CCM Janeiro 2017 - Ano XII - No 141

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Em um cenário industrial competitivo, o estudo acerca do desenvolvimento e aplicação de novos materiais, visando à fabricação de produtos confiáveis, duráveis e baratos, se mostra necessário, o que compreende o uso de aços-ferramenta. O aço SAE D2 é muito utilizado em operações de trabalho a frio, como extrusão. Ele apresenta propriedades como, por exemplo, alta dureza, boa tenacidade e resistência à abrasão, as quais proporcionam uma maior vida útil às ferramentas confeccionadas a partir desta liga. A têmpera é um tratamento térmico que aumenta a resistência mecânica e a dureza dos aços, entretanto ela diminui a sua tenacidade. Para retardar e/ou diminuir esse efeito é realizado um tratamento posterior, conhecido como revenimento, pelo qual podem ser reduzidas as tensões internas do material causadas pela têmpera.

O objetivo deste trabalho é verificar qual tipo de revenimento é mais eficaz na recuperação da tenacidade do aço SAE D2, avaliando o uso de processo único ou duplo. A análise consistiu no ensaio de corpos de prova, feitos com a liga aqui tratada, que foram aquecidos à temperatura de 1.020oC e revenidos uma ou duas vezes. Para a verificação das propriedades obtidas foram realizados ensaios de dureza e de impacto, além de um exame metalográfico da formação de martensita e do comportamento dos grãos após os procedimentos. A aferição dos resultados pode servir como parâmetro para futuros tratamentos térmicos desse tipo de aço.

Revisão bibliográfica

O aço SAE D2 é extensivamente utilizado na fabricação de ferramentas de corte e conformação de metais pelo fato de possuir excelente resistência mecânica e ao desgaste (1) , características provenientes da adição de elementos como tungstênio, molibdênio, vanádio, manganês e cromo à sua composição. Ele é produzido por meio de metalurgia do pó, forjamento e fundição de precisão, processos que proporcionam um controle dimensional de alta precisão e a redução das tensões internas do material, para que a peça acabada apresente boa tenacidade (2) .

A composição química é um fator importante na determinação das propriedades mecânicas do aço, sendo o SAE D2 composto de vários tipos de elementos, o que o caracteriza como uma liga. A tabela 1 mostra a sua composição química (3).

Tab. 1 – Composição de elementos do aço SAE D2
C Mn Si Cr Mo V
1,5 0,6 0,6 12 1 1
Fonte: GGD Metals (2013, p.1)

A seguir são mostrados os elementos que compõem o aço e a função de cada um deles:

Fig. 1 – Diagrama do aço D2 em percentual de carbono(4)

A microestrutura do aço em questão é representada pela figura 1, um diagrama ternário de Fe-C-Cr em uma massa de 13% de cromo. A etapa predominante nesse processo é a transformação eutética que ocorre entre a fase líquida e o carbeto de cromo (Cr7 C3), pela reação L -> Y +Cr7 C3. Esses carbetos possuem grãos grosseiros, anisotrópicos e formam uma rede que conecta todas as células. Essas características influenciam o desempenho do ferramental e o tratamento térmico.

O aço sólido passa por um campo de austenita que é utilizado na têmpera, e se solidifica como ferrita e carboneto. Durante o resfriamento novos carbetos são precipitados na austenita e ferrita, o que leva a uma diminuição do limite de solubilidade do carbono (4).

Revenimento múltiplo

Depois de obtida a martensita pela têmpera, o material se mostra muito duro e frágil. Peças assim confeccionadas a serem submetidas a processos mecânicos têm grande chance de desenvolver trincas devido ao alto tensionamento interno, exceto quando possuem quantidades pequenas de carbono. É necessário remover essas tensões internas para que haja uma combinação entre resistência mecânica e tenacidade, portanto após a têmpera deve ser aplicado o revenimento.

Ferramental

Silva e Mei(2) destacam a aplicação de revenimento múltiplo para aços de alta temperabilidade e de duplo revenimento para aços ferramenta, devendo o primeiro ser iniciado com a peça sob faixa de temperatura de 60 a 90°C, gradiente em que ocorrem o alívio de tensão, revenimento da martensita e a precipitação de carbonetos na austenita reticulada. O menor teor de carbono aumenta a temperatura da austenita retida e a têmpera ocorre durante o resfriamento, formando mais martensita. O segundo processo tem a função de revenir a nova martensita formada e é muito utilizado para a estabilização dimensional de ferramentas que podem ser revenidas até mais de duas vezes.

Fig. 2 – Revenimento duplo do aço SAE D6 (3)

O aço SAE D2 deve ser revenido imediatamente após a têmpera apresentar temperatura de 70°C. A figura 2 ilustra o processo de revenimento do aço SAE D2, do qual constam duas faixas de temperatura, 200 e 540°C, para uma dureza de 58 a 60 RC. A seleção dos ciclos de tratamento térmico deve considerar o tipo de aplicação do aço ferramenta, mas o revenimento sob temperaturas maiores sempre leva a uma maior resistência à fratura. A têmpera deve ocorrer a partir de 1.030°C(3).

Devem ser realizados no mínimo dois revenimentos, e entre ambos os processos a peça deve ser resfriada até a temperatura ambiente. A temperatura sob a qual será feito o tratamento deve ser considerada conforme a dureza a ser obtida. Para cada revenimento o processamento do material deve ser de no mínimo duas horas, proporção que deve ser relevada no caso de tratamento de peças com espessura de 70 mm. Para medidas maiores deve ser acrescentada uma hora para cada polegada a mais(1).

Materiais e métodos

Os corpos de prova de aço SAE D2 foram temperados e revenidos uma e duas vezes para a verificação do efeito do revenimento duplo. Em seguida, eles foram submetidos a testes de dureza Vickers e de impacto (tipo Charpy), além de análise metalográfica para a aferição das propriedades obtidas, na qual foi utilizado Nital 4%, revelando as alterações ocorridas na sua microestrutura final.

As amostras foram separadas por numeração em três grupos distintos: as que foram revenidas uma vez (1, 2, 3), as com revenimento duplo (4, 5, 6) e as amostras padrão (7, 8, 9). Elas foram ensaiadas em tréplicas para que houvesse uma média dos resultados, sendo este o padrão determinado para todos os testes.

Posteriormente, as peças foram temperadas a 1.020°C, por uma hora, com pré-aquecimento de 750oC, e resfriadas em óleo, com taxa de arrefecimento de 8oC/s. Para serem revenidas elas foram, primeiramente, aquecidas até 200oC, sendo processadas novamente sob temperatura de 500oC por duas horas.

Resultados

Os ensaios mecânicos realizados provaram a importância do duplo revenimento no uso do aço SAE D2 para trabalho a frio, tendo em vista o aumento de tenacidade nas peças assim tratadas, mesmo com uma perda significativa de dureza. Isso é compensado pela tenacidade percentualmente mais elevada.

Tab. 2 – Médias de todas as amostras de dureza e impacto
Amostra Impacto (J) Dureza (HV)
Padrão 3,93 234
Revenidas a 200oC 1,73 744
Revenidas duplamente a 500oC 2,36 648,91

É possível que peças revenidas apenas uma vez não suportem os esforços inerentes ao trabalho a frio, entretanto isso deve ser analisado por meio de estudos aprofundados. A tabela 2 mostra as médias dos resultados de dureza e impacto realizados durante a pesquisa. Esses resultados corroboram outros observados em estudos voltados para este aço. Os testes de dureza e impacto condizem com os resultados apresentados pelo fabricante após a têmpera com revenimento duplo.

Fig. 3 – Metalografia da amostra de aço SAE D2 aumentada em 800 vezes

Metalografia

As imagens mostradas nas figuras 3, 4 e 5 mostram as microestruturas obtidas antes e depois do revenimento. A figura 3 apresenta a microestrutura do aço SAE D2 sem tratamento, em que as áreas circuladas de vermelho são carbonetos que se formam a partir dos elementos de liga adicionados. A área marcada em azul representa a parte austenítica do aço, que é a estrutura deste material, portanto temos a composição de uma austenita + M7 C3 (elementos de liga).

A figura 4 mostra a metalografia do aço SAE D2 revenido uma vez. É possível observar a diferença da amostra temperada em relação à revenida. As partes em vermelho mostram a martensita formada, o que era esperado, e que comprova a eficiência da têmpera realizada. Pode-se observar que houve uma redução da largura dos grãos, característica típica da formação de martensita devido às compressões internas sofridas por eles durante o processo de resfriamento lento. Outro ponto importante é a manutenção dos carbonetos que contêm elementos de liga, que praticamente não mudaram, mantendo assim as propriedades do aço estudado.

A figura 5 apresenta a metalografia do aço SAE D2 duplamente revenido. É visível a uniformidade dessa microestrutura em relação às outras. Isso ocorre devido à formação de martensita revenida, culminando em uma estrutura homogênea e com menos tensões internas, além da manutenção dos carbonetos com os elementos de liga.

Fig. 4 – Metalografia do aço SAE D2 revenido uma vez aumentada em 800 vezes

Fig. 5 – Metalografia do aço SAE D2 com duplo revenido aumentada em 800 vezes

Conclusão

Os resultados obtidos pelos ensaios de dureza e impacto, bem como as imagens metalográficas, foram suficientes para concluir que o revenimento duplo aumenta significativamente a tenacidade do material em relação ao revenimento único, além de promover uma diferença mínima de dureza. O revenimento duplo, como recomenda o fabricante, é de suma importância para obter as características intermediárias de tenacidade e dureza. Isso foi comprovado pelos ensaios mecânicos realizados, em que as amostras revenidas uma vez apresentaram um aumento de dureza de 68,5% e uma diminuição de tenacidade de cerca de 56%, enquanto as duplamente revenidas tiveram aumento de dureza de 63,8% e redução de tenacidade de 40%. Isso comprova a importância do duplo revenimento para este tipo de aço. Outro fator importante é a manutenção dos elementos de liga, que foram mostrados na metalografia mesmo após a realização da têmpera e do revenimento, evidenciando que a sua solubilidade deve ocorrer em temperaturas superiores a 1.020oC. Apesar de se tratar de um aço ferramenta para trabalho a frio, as suas características são mantidas mesmo sob altas temperaturas.

Agradecimentos

Ao laboratório do Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC).

Referências

  1. G obbi, S. J.: Influência do tratamento criogênico na resistência ao desgaste do aço para trabalho a frio AI SI D2. Dissertação (Mestrado em Ciências Mecânicas) - Universidade de Brasília, Brasília, 2009, 109f.
  2. Silva, a. l. v. da C.; Mei, P. R.: Aços e ligas especiais. 3. ed. São Paulo: Edgar Blucher, 664, 2010.
  3. GGd MetalS.: Aço ferramenta - AISI D2. Disponível em: http://www.ggdmetals.com.br/cat/D2.pdf. Acesso em: 20 Jul. 2015.
  4. MetalS handbook: Metallography, Structures and Phase Diagrams, ASM International, v. 8, 8 ed. 1978.
  5. Mendanha, a. et al.; Principais parâmetros metalúrgicos e suas influências na qualidade e desempenho do aço para trabalho a frio AISI D2. In: 6o Seminário da Cadeia de Ferramentas, Moldes e Matrizes- ABM, São Paulo, 2008.